quinta-feira, 29 de abril de 2010

Efeitos da internet nas eleições 2010

eleicao2010Além do especial sobre mídias sociais, também foram destaques da edição de abril da Revista Webdesign os assuntos envolvendo as próximas eleições e o uso de estratégias digitais nas campanhas de políticos brasileiros.

Através da consulta de alguns profissionais da área, procuramos analisar os efeitos do planejamento criado pela equipe web de Barack Obama e o possível surgimento de um fenômeno semelhante no Brasil, além de como as agências digitais podem explorar este segmento.


A discussão foi tão boa que decidimos trazê-la para cá também. A seguir, confira o resultado das entrevistas com os especialistas Fabiano Carnevale, secretário nacional de comunicação do Partido Verde e membro da equipe do Gabeira.com desde 1998, e Moriael Paiva, diretor executivo de criação da Talk Interactive.


WD :: No documentário “Obama Digital”, alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie apresentaram as principais características envolvendo o planejamento de comunicação digital realizado na campanha de Barack Obama. Levando-se em consideração a realidade brasileira, o que podemos esperar para as próximas eleições, em termos de campanhas políticas digitais? Você acredita que haverá um uso massivo das ferramentas digitais por parte dos candidatos brasileiros?


Fabiano :: Primeiramente, é importante ressaltar que o tipo de campanha realizada por Obama é impossível de ser replicada no Brasil. Pelas diferenças entre a forma de utilização da internet nos dois países, de legislação e, principalmente, pelo tempo eleitoral, que no Brasil é limitada em quatro meses, enquanto nos EUA, dura quase dois anos. Isso nos obriga a recolocar a campanha pela internet no Brasil a partir dessas peculiaridades.


Tem muita gente (alguns sérios, outros nem tanto) vendendo a ideia de que, se o Obama fez lá, nós podemos fazer aqui, o que não é verdade. Mas é fato que o papel desempenhado pela internet nas estratégias de comunicação das campanhas será profundamente relevante por aqui nesse ano. Todos os candidatos e partidos estão se preparando para isso, o que difere é a quantidade de recursos alocados para esse tipo de campanha e, principalmente, as estratégias.


Moriael :: Acho que teremos, sim, um uso intenso. Mas também acho que quem tentar simplesmente copiar a fórmula digital do Obama pode se dar mal. Copiar o modelo on-line não é a solução. O sucesso da campanha americana foi uma estratégia inteligente de relacionamento para todos os canais, integrada, alinhada. Sair criando sites, Twitter, redes sociais digitais e não respeitar os princípios da interação e da comunicação de duas vias da internet não adianta.


Wd :: Ainda sobre a campanha de Obama, no livro “Eleições 2.0: a internet e as mídias sociais no processo eleitoral”, Antonio Graeff ressalta que, além de possuir um site de campanha adequado e eficaz, a estratégia digital foi além ao investir cerca de 16 milhões de dólares em publicidade on-line e criar e administrar perfis em mais de 15 redes sociais. Pela sua experiência na área, quais são as ações e as ferramentas mais recomendadas que devam ser utilizadas pelos candidatos brasileiros nas próximas eleições? Que tipo de “e-novidades” poderemos ver para as eleições de 2010?



Fabiano ::
Mais uma vez, as diferenças entre a legislação eleitoral brasileira e estadunidenses já demarcam uma fronteira. No Brasil, não poderemos fazer publicidade on-line em sites pagos, nem utilizar, por exemplo, os links patrocinados do Google, que foram fundamentais tanto na campanha do Obama quanto em exemplos recentes, como a eleição do senador republicano Scott Brown, em Massachussets, no fim do ano passado.


Então, não será a quantidade de dinheiro investido que fará a diferença por aqui e sim a capacidade de mobilização dos candidatos. A administração de perfis em diversas redes deve ser uma regra, ainda que no Brasil estejamos falando de cinco ou seis redes relevantes, como Orkut, Twitter, Facebook, YouTube e Flickr.


Não sei se teremos grandes novidades, e mais uma vez, não acredito que serão as novidades que farão a diferença. Uma noção básica na internet é que uma ferramenta só se torna relevante quando está massificada, quando a sua utilização se torna simples para o maior número de usuários.


No Brasil, estamos falando de um período muito curto de campanha. São quatro meses de campanha eleitoral, mas o eleitorado costuma se movimentar quando começa a propaganda na TV e só vira mesmo “papo de botequim” nas últimas semanas. Aí é que a campanha on-line pode fazer a diferença, que é quando os e-militantes começam a colocar em prática suas “estratégias”.


Moriael :: É uma pergunta importante. Cada campanha, político e região têm características em que um ou outro canal pode ter mais peso. A campanha deve se preocupar em atender bem todos os targets nos canais mais adequados, sem se preocupar com a moda do momento. Isso quer dizer que, em muitos casos, uma estratégia usando o bom e velho e-mail pode funcionar tanto quanto o Twitter, a plataforma do momento.



Wd :: Falando em mídias sociais, elas foram ferramentas extremamente eficazes na mobilização e engajamento de eleitores na campanha de Obama. Em sua opinião, quais são as vantagens e os riscos de se investir em meios digitais quando falamos de campanhas políticas no Brasil?


Fabiano :: Existe uma grande excitação por conta dos políticos e marqueteiros em relação a utilização da internet nas campanhas eleitorais. É importante ressaltar que a internet não vai fazer um candidato sem carisma virar um fenômeno eleitoral.


Ao contrário, é somente quando uma campanha vira conversa nas ruas é que ela vai para as redes, pois os eleitores começam a buscar as informações sobre as campanhas e você tem que municiar esse eleitor que vai chegar.


A dinâmica de sucesso é essa, das ruas para as redes, das redes para as ruas. A conversa no bar vai para o diálogo nas redes, e esse volta para o bar, para a universidade etc.



Moriael ::
O Brasil é um recordista mundial no uso das mídias sociais. Isso cria um palco excelente para a conversa política, o que já acontece. E, para mim, o maior risco é que políticos não respeitem as características desses espaços. Mídias sociais são canais livres, de conversa e interatividade. Usá-los como canal de propaganda, querendo só falar e não ouvir, pode ser um tiro no pé.


Wd :: Mensurar e apresentar os resultados de campanhas digitais é o principal argumento para convencer os políticos a investirem em ações on-line. De que maneira um processo de métricas web deve ser aplicado para este segmento?



Fabiano :: A internet para a política é orgânica não métrica. A linha que divide o sucesso e o fracasso de uma campanha on-line é quando os seus e-militantes começam a construir suas próprias estratégias, e isso não é facilmente mensurável.


Não descarto a importância de se mensurar o trabalho nas redes, mas é preciso ter em mente que o campo aberto para fazer alterações (a partir desses dados) é menor do que o que os especialistas em pesquisas qualitativas costumam atuar.


Isso se deve ao fato de que, nas mídias tradicionais, como rádio e TV, você comanda um grande broadcaster que transmite para milhões de pessoas, enquanto nas redes sociais são milhares de broadcasters transmitindo, retransmitindo, transformando e recolocando as estratégias oficiais sob seus próprios pontos de vista. A ideia básica é que, para cada e-militante (o broadcaster das redes), uma estratégia é colocada em prática.


Moriael :: Felizmente, esses canais são ricos em possibilidade de mensuração de resultados. Critérios como credibilidade, participação de apoiadores, engajamento são relativamente fáceis de medir em canais como Twitter e Orkut. Aliás, esses dados são tão importantes quanto número de seguidores, que às vezes parece sinal de sucesso.


Wd :: Como as agências digitais e os profissionais freelancers devem se preparar para atender este nicho de mercado?



Fabiano ::
Como não sou do mercado, não me sinto confortável para responder essa pergunta. Mas volto a ressaltar que a capacidade de mobilização das candidaturas é o que vai definir o sucesso da campanha on-line e não a quantidade de dinheiro investido.


Uma das principais vantagens da internet é a possibilidade de redução dos custos da campanha, mas a tendência que tenho acompanhado é que se está criando um novo espaço para o gasto de milhões. As cifras até agora apresentadas são irreais.


Moriael :: Fazer uma campanha digital requer tanto conhecimento político quanto do uso de ferramentas. Estar antenado à realidade política da região onde se quer trabalhar é fundamental. É importante pensar que, no fim das contas, o que importa é o voto no dia da eleição. Compreender que o melhor resultado de uma campanha digital é conseguir converter o chamado engajamento virtual em voto na urna.


Wd :: Para finalizar, vocês poderiam indicar bons exemplos de estratégias no mercado brasileiro?


Fabiano :: A campanha do Gabeira à prefeitura do Rio em 2008 é o principal exemplo nacional de como a mobilização on-line pode potencializar uma campanha, inclusive tendo papel decisivo na virada que quase o levou a vitória no segundo turno.


Citaria também a competente utilização da equipe on-line do Gilberto Kassab à prefeitura de SP, que mesmo com um candidato sem grande apelo para o público que tradicionalmente ocupa as redes, conseguiu construir excelentes formatos de participação dos e-militantes, como a coletiva para blogueiros e as desconferências criativas com os voluntários da campanha.


Moriael :: Poderia citar três exemplos:


1. (Sem puxar sardinha, mas já) Tenho segurança em dizer que o trabalho do nosso time na campanha do Kassab foi bem sólido. Muita participação, autenticidade e cobertura adequada. Kassab ouviu São Paulo pela web, em diversos canais. De site colaborativo, que ajudou no plano de governo, a uma rede social fechada que funcionou como QG para os mais engajados.


2. Beto Richa, no Paraná, usa a rede e as mídias sociais com eficiência há algum tempo. Na campanha para prefeito, o meio foi usado para coletar vídeos que foram ao ar na TV. Com muito sucesso.


3. O governador José Serra usa o Twitter de forma autêntica e eficiente. É um “governador” digital. Não apenas pelo número de seguidores, mas pelo uso que faz da interatividade promovida pelo canal. Ouve e conversa.

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